domingo, 21 de agosto de 2016

Olimpismo: o fracasso e a decadência do esporte moderno

Pira do Povo? Esporte das elites


"Mas para aprender o jogo dos ratos
Transou com deus e com o lobsomen"
    (Raul Seixas - As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor)

O esporte moderno surgiu na Inglaterra durante os séculos XVIII e XIX dentro de um contexto com características urbanas, higienistas e eugênicas. 
Antes porém, nas ruas e nas praças inglesas as classes mais baixas da população se divertiam através de competições e disputas caracterizadas por atividades livres, espontâneas, lúdicas, criativas, muitas das vezes violentas e ainda marcadas por muita sujeira e lama oriundas do constante contato com o chão e a terra. 
Mas com o crescimento das atividades industriais e o rápido processo de urbanização a burguesia européia impõe mecanismos de controle e vigilância dos corpos de todos os trabalhadores. As atividades de lazer deveriam  também preparar o homem para o trabalho, devendo ser também prolongamento das atividades laborais. Os jogos de rua ou mesmo as atividades circenses eram vistas como ações subversivas e perigosas para a produção e reprodução do capital em plena expansão. O movimento livre, espontâneo, desinteressado e lúdico dos jogos de rua era exatamente o inverso do movimento fabril que por sua vez era repetitivo, mecanizado, econômico e útil. Para o trabalho abstrato do capital moderno era necessário a formação de corpos servis, disciplinados, obedientes, saudáveis, fortes e especializados. 

O fracasso e a decadência do Esporte Moderno: espetáculo e mercantilização

As atividades lúdicas, violentas, sujas, descontroladas e com regras flexíveis praticadas pelas camadas populares inglesas nas ruas, nos becos e praças dos subúrbios passam a ser vistas com maus olhos pela burguesia industrial que primava apenas expandir seus negócios, suas fábricas, os lucros e consequentemente a exploração sobre os trabalhadores. Era necessário adestrar este corpo do trabalhador e prepará-lo para as atividades repetitivas, mecanizadas e alienadas das indústrias na Inglaterra e em toda a Europa. 
Sob este paradigma capitalista o novo tipo de trabalhador urbano-industrial deveria ser bem adestrado e disciplinado para se desumanizar e morrer no  ambiente fabril. As atividades corporais higiênicas, disciplinadas e regradas deveriam servir como o principal instrumento e remédio para todos os "males" e "vícios" da classe trabalhadora. 
A partir da ressignificação e incorporação das prática corporais populares com novos códigos higiênicos e moralistas (a falsa moral burguesa capitalista) surge na Inglaterra revolucionária o chamado "esporte moderno" que passa a ser uma atividade obrigatória aos jovens estudantes matriculados nas "public schools". 
A elite européia nega as atividades corporais populares consideradas imorais, sujas e violentas, porém se apropria de todos os seus códigos, princípios e regras denotando-lhe um caráter adequado aos novos padrões morais burgueses como a disciplina, a higiene, o respeito e o melhoramento da raça (eugenia). 
O esporte passa a ser então o paradigma para a formação do novo padrão de trabalhador e também uma forma de preparação do soldado para a guerra. Assim surge o esporte moderno, uma atividade inicialmente praticada e difundida nas escolas inglesas como importante instrumento de preparação e adestramento para o trabalhos nas fábricas. 
Para a burguesia européia era importante que as atividades corporais realizadas fora das fábricas pelos trabalhadores também reproduzisse os códigos e movimentos que se faziam dentro das próprias fábricas, ou seja, o tempo de lazer e de descanso do trabalhador devia servir como preparação para o próprio trabalho. O esporte e a ginástica passam a assumir esta importante função.
O esporte moderno se difunde então por todo o mundo a partir da Inglaterra. Nos outros países da Europa surge neste mesmo período o chamado Movimento Ginástico Europeu que se torna balizador das atividades corporais em todo o continente e também possuindo características higiênicas, eugênicas e de adestramento do corpo do trabalhador. No Movimento Ginástico Europeu destaca-se a Ginástica Sueca, a Ginástica Alemã e  a Ginástica Francesa, e na Inglaterra obviamente se destaca o esporte.
O esporte moderno assume então características próprias como a secularização, a sobrepujança, o recorde, a competição, o regramento e a autonomização, valores e características alicerçadas nos próprios princípios da sociedade industrial capitalista inglesa.
Já no final do século XIX e início do século XX o francês Barão de Coubertin inaugura o denominado "Olimpismo" que buscava resgatar os jogos olímpicos praticados na Grécia Antiga, mas com o objetivo apenas de difundir o esporte moderno, negando por completo todos os princípios, sentidos, valores e rituais praticados nos antigos jogos gregos.
O Barão Pierre de Coubertin cria o ponto de partida para a difusão e a intensa comercialização do esporte em escala mundial. As atividades esportivas a partir do início do século XX se transformam em mais uma importante e lucrativa mercadoria a ser publicizada e vendida em escala global. Valores como "o importante é competir" e o "jogo limpo" se tornam a partir de então apenas retórica no mundo esportivo moderno.
O esporte moderno, considerado um importante elemento da cultura corporal humana, herança da produção e do trabalho humano, e que deveria ser acessível e democratizado a todos, se torna mero espetáculo do grande capital sendo capaz de auferir lucros infinitos às grandes empresas ligadas ao entretenimento e à produção de artigos esportivos e derivados.  
Atualmente o esporte é considerado o maior fenômeno cultural humano, sendo praticado em todos os países e alvo de grande interesse de governos, Estados, empresas e indústrias multinacionais,  também considerada uma das mercadorias mais rentáveis do capitalismo globalizado atual e elemento chamariz dos principais megaeventos atuais.

Esporte Moderno: contemplação, espetáculo  e consumo

O esporte dentro da lógica do capital se torna uma mercadoria importante capaz de mobilizar nações e países em disputas, torneios e megaeventos internacionais como por exemplo a Rio 2016 que assistimos hoje. Mas ao ser transformado em mercadoria dentro da lógica da alienação, da produção de mais valor, do espetáculo e da reprodução capitalista se evidencia apenas o seu valor de troca. 
Quando o mais importante é a obtenção de lucros na venda desta valiosa mercadoria, são aniquilados princípios relevantes como "Fair Play"; "Espírito Olímpico"; "Regras do Jogo"; "Imparcialidade"; "Respeito ao adversário"; "Criatividade"; "Jogo Bonito"; "Esporte-arte", "Alegria de Jogar", sobrando apenas a fetichização da própria mercadoria, no caso o esporte. 
O que então prevalece no negócio esporte? Tão somente os resultados, o esporte-força, o doping, os resultados forjados de acordo com as bolsas de apostas e das cotações nas bolsas de valores.
Dentro da lógica da produção de mercadorias o que importa então é apenas vencer e a qualquer preço. O mais alto, mais rápido e o mais forte deve competir e vencer ainda que de forma desleal como assistimos nas olimpíadas ou nas transmissões do futebol nos finais de semana pela TV.
O capital destrói a arte de jogar, a criatividade do atleta desaparece e a alegria em jogar ou assistir a quem joga também é anulada junto com a espetacularização do esporte. O esporte sendo transformado em espetáculo é um elemento fundamental para ampliar a mercantilização, a publicização e o consumo da própria mercadoria esporte e também para a destruição plena do próprio sentido e significado do esporte. O esporte se transforma em imagem e símbolo de relações mercantis entre pessoas e empresas.
Junto com a espetacularização do esporte temos ainda o importante papel midiático que difunde os próprios interesses e valores capitalistas, sendo capazes de ampliar o alcance da espetacularização e do fetichismo da mercadoria, que mesclado com a exaltação irracional  do sentimento patriótico são capazes de promover cenas vergonhosas como a que assistimos na Rio 2016 como as constantes vaias xenofóbicas aos desportistas estrangeiros.
A nossa luta então é pelo fim do esporte moderno, seus códigos mercantis, seus valores  desumanizadores e seus princípios xenofóbicos, nacionalistas e excludentes. 
A proposição atual é o resgate do esporte, do jogo, do lúdico, da criatividade, do descontrole e da espontaneidade nas atividades corporais humanas. O verdadeiro esporte a ser jogado surgirá com o fim do esporte moderno e com a criação do esporte criativo, livre, sem bandeiras, sem nacionalidade e auto-gerido e auto-organizado pelos sujeitos desportistas e participantes. Os esportes dos povos deverá devolver a alegria e a arte perdida no esporte moderno.
Pelo fim do esporte moderno e pela extinção do COI.

Que comece o esporte livre, independente, espontâneo e criativo dos povos!
Pelo Fim do COI e do Esporte Moderno

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