sábado, 6 de agosto de 2016

A abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016: hipocrisias, mentiras, flores e náuseas

Moradores da Mangueira no Rio assistem do lado de fora
a abertura das Olimpíadas no Maracanã.
"O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediadas por imagens" (GUY DEBORD)

A abertura dos jogos Rio 2016 tentou maquiar e esconder por algumas horas apenas, a verdadeira realidade do país sede dos jogos olímpicos. O maior templo do esporte nacional, o Maracanã, foi o palco maior do espetáculo da abertura dos jogos. Chefes de Estado, cantores, artistas e com uma audiência de mais de 3 bilhões de telespectadores em todo o mundo, a abertura foi marcada por muita música popular brasileira, poesias e um clima de mentiras, hipocrisias e ilusões. 
Na voz da atriz brasileira Fernanda Montenegro ouviu-se na festa de abertura trechos selecionados do poema "A Flor e a Náusea" de Carlos Drummond de Andrade. Porém infelizmente, o maravilhoso poema não fora declamado na íntegra.

"Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase."

(Drummond)



Os temas abordados na abertura foram relacionados à preservação da natureza e também sobre diversidade humana e tolerância. Temas estes que nunca foram respeitados ou se quer considerados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), Comitê Olímpico Brasileiro (COB) ou pelo governo brasileiro na preparação, organização e realização dos jogos Rio 2016. Basta lembrarmos da construção do campo olímpico de golfe sobre a reserva ambiental de Marapendi, área de preservação ambiental na cidade do Rio de Janeiro. Ou ainda a falsa promessa de despoluição da Baía da Guanabara. A violência nas ações de despejo aos moradores da Vila Autódromo e da Comunidade Vila União para dar lugar às construções de áreas olímpicas como o atual Parque Olímpico e a via TransOlímpica, respectivamente. 
Sobre a falácia de respeito à diversidade humana e tolerância proclamado na abertura dos Jogos, as estatísticas comprovam o aumento de mortes de moradores negros da periferia por policiais na cidade do Rio de Janeiro durante os anos que antecederam a realização dos megaeventos Copa do Mundo FIFA e Olimpíadas.


"Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa." 

(Drummond)



Enquanto ocorria a mega festa dentro do Maracanã, a polícia militar agia com abusiva violência contra manifestantes do lado de fora da arena. 
Manifestações em Copacabana e nas proximidades do local de abertura alteraram o trajeto inicialmente programado de entrada da tocha olímpica na festa dos cartolas do COI. 
Na capital paulista também houveram manifestações contra as Olimpíadas no centro da cidade com dezenas de jovens agredidos e presos sob a truculência da polícia militar paulista.

Manifestantes contrário à realização das Olimpíadas no Brasil são detidos e presos pela PM na avenida Augusta no Centro de São Paulo.


"Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça."(Drummond)


Sob o som de muitas vaias, o quase "invisível" presidente "interino" do Brasil Michel Temer em apenas 7 segundos, com uma rapidez de dar inveja a Usain Bolt abril oficialmente os Jogos Rio 2016 no Maracanã (Nem se quer a Dilma Roussef havia pensado em utilizar esta "criativa" estratégia na abertura da COPA do Mundo em 2014). 
O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) Thomas Bach disse em seu discurso que os atletas estão " (...) vivendo em paz na Vila Olímpica, compartilhando a mesma refeição e emoção. Nesse mundo, há uma lei universal para todos. Nesse mundo olímpico, somos todos iguais. Nesse mundo olímpico, vemos o valor da humanidade compartilhada, e que somos mais fortes quando estamos unidos que quando estamos divididos." Mais uma grande mentira proferida pelo chefão do COI, pois não existe igualdade nenhuma entre os atletas olímpicos. O próprio desfile das delegações olímpicas desmentem Thomas Bach pelo número de atletas enviados pelos países. Enquanto as grandes potências enviam centenas de atletas de várias modalidades olímpicas, houveram várias delegações de países pobres da África, Ásia e da própria América Latina que enviaram menos de meia dúzia de atletas cada uma. 
Sobre a distribuição das medalhas e pódios entre os países, comprova-se outra grande disparidade no esporte olímpico, refletindo também as disparidades econômicas e sociais entre as delegações participantes, desmentindo assim a tese de Thomas Bach. Sem falar que o esporte moderno de alto rendimento é excludente em sua própria concepção e execução,  pois apenas uma pequena elite de desportistas estão aptas e condicionadas para a sua prática. 
A lei universal a que Thomas Bach queria se referir em sua fala de abertura talvez seja em relação à lei universal da gravidade de Isaac Newton. 
Enquanto o cartola do COI falava em união e que somos mais fortes quando estamos unidos do que quando estamos divididos, os moradores das comunidades vizinhas ao Maracanã observavam a festa de longe, nas lages e em cima dos morros, pois para esta grande festa do esporte mundial, nem sequer os moradores das comunidades cariocas foram sequer consultados ou convidados.

Moradores da Mangueira na cidade do Rio comemoram a abertura
dos Jogos Olímpicos: Não foram convidados para a festa


"Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Por fogo em tudo, inclusive em mim."

(Drummond)


Campo de Golfe Rio 2016 construído dentro da Reserva Ambiental de Marapendi.
Área de Preservação Ambiental de Marapendi foi destruída para construção do Campo de Golfe Rio 2016


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